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The Guardian em 9 de dezembro de 2017 e fala sobre a descoberta de uma família acerca do paradeiro do irmão desaparecido há 26 anos. Nomes foram alterados para preservar a identidade das vítimas.
R.
, funcionária do serviço de saúde, estava trabalhando quando recebeu uma ligação da unidade de investigação sobre tráfico humano.Foi uma coincidência surreal R.
ter recebido aquela ligação, logo ela!, pois estava apenas pesquisando alguns dados para a polícia, quando um funcionário pediu que localizasse o nome de um desaparecido nos documentos do local. Pois bem: o nome dado pelo funcionário era do irmão de R., desaparecido há 26 anos! Ela então pediu por mais informações, como a data de nascimento, e quando esta coincidiu com a Alan, foi que R.
teve certeza de que se tratava de seu irmão desaparecido.Não bastasse esse choque, o motivo do desaparecimento do irmão congelou a espinha de R.: Alan havia sido mantido como escravo por uma gangue.
Ao chegar na casa da mãe, R. contou todo o ocorrido. A família nunca havia desistido de recuperar Alan, mas suas esperanças haviam se esvaído. A saber que o filho estivera preso em um cativeiro durante todos aqueles anos, a senhora chorou muito. Mãe e filha, então, abraçaram-se e tentaram assimilar a notícia tão surreal.
Segundo a matéria do The Guardian, as pessoas escravizadas pela família Rooney viviam em condições precárias, sem água corrente ou instalações sanitárias.
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Fotografia: Polícia de Lincolnshire.
R.
contou que, quando crianças, ela e Alan eram muito próximos e viviam brincando jutos. Sorridente, carinhoso, sensível e apegado aos animais, Alan era como o seu melhor amigo e tido como o brincalhão da sala de aula. No entanto, Alan começou a ter convulsões e dificuldade de aprendizado.Conforme cresceu, o rapaz desencaminhou-se totalmente: facilmente manipulável, muito sensível e com problemas de ansiedade, ele começou a fazer uso de drogas, tornando-se um dependente químico.
Devastada, a família tentou ajudá-lo e manter-se unida.
No entanto, a mãe de Alan temia por sua própria segurança quando o filho estava em casa.
Em um certo dia, Alan parou de voltar para casa e desapareceu. A família ouvia de amigos que ele perambulava por algumas estradas, mas depois de um tempo as notícias cessaram.Vazias e tristes, as duas mulheres resignaram-se quanto à escolha de vida do rapaz, esperando, contudo, que algum dia ele resolvesse finalmente voltar para casa.
Com os anos, a família estava tateando no escuro quanto ao paradeiro do rapaz.
R.
verificava nos registros da polícia se havia notícias de seu irmão, se ele havia morrido ou se acidentado, mas nada. Naquele dia, no entanto, a verdade finalmente chegara: mantido como escravo por uma família, em Lincolnshire, Alan passou os últimos 26 anos vivendo sob as mais precárias condições.A família Rooney tirava pessoas em situação de vulnerabilidade das ruas, prometendo-lhes trabalho e abrigo, mas assim que elas aceitavam o acordo, eram presas e espancadas, perdendo seus poucos pertences e documentos.
Enquanto os Rooney viviam em confortáveis condições, os presos eram mantidos em cativeiro, onde trabalhavam sete dias por semana, vivendo em trailers e acomodações do tipo, sem água corrente ou instalações sanitárias.O pagamento era feito em cidra barata, a fim de promover a dependência ao álcool e ajudando no controle psicológico daquelas pessoas.
Depois de resgatado, Alan foi enviado para um centro de vítimas, onde recebeu apoio psicológico e assistência médica, a fim de que consiga se reajustar à sociedade.
Pelo telefone, R.
e sua mãe falaram emocionadíssimas com Alan, que ainda estava sob efeito do choque. R. enviou-lhe por e-mail fotos da sua infância para ajudá-lo a se reconectar às suas raízes. Depois de alguns meses, a família se reencontrou em um pub, onde cada um juntou as últimas energias que tinha para fazer daquele reencontro um momento feliz e leve.No entanto, ao se reencontrarem, todos choraram muito, pois tantos anos de afastamento significaram sobretudo dor.
A família Rooney foi sentenciada a 79 anos de prisão, no total, por escravidão e fraude. Fotografia: Polícia de Lincolnshire.
Devido à maneira com que viveu naqueles anos, Alan estava extremamente magro e envelhecido, e apresentava dentes podres e faltantes, além de comer com as mãos e falar inadequadamente alto.
Apesar do impacto que a imagem de Alan causou inicialmente na família, foi o melhor reencontro possível.Eles estavam aliviados por finalmente reencontrar aquele ente tão querido, que havia passado os últimos anos vivendo de maneira tão desumana, tão injusta.
Finalmente a família conseguiria recuperar-se das feridas daquele afastamento.No entanto, no Natal daquele ano, quando Alan veio morar com a família, nem tudo eram flores: adicto à bebida, Alan bebia demais e tinha sérias dificuldades de aprendizagem, o que o levavam a adotar uma postura extremamente infantil.
Os testes psicológicos revelaram que Alan também sofria da síndrome de Estocolmo – ele via os seus captores como “caras legais, que cuidaram de mim e ficaram presos por mim”.Esse era um dos modus operandi da família Rooney, pois eles sabiam que suas vítimas tinham perdido tudo, inclusive as suas famílias, então preenchiam aquele vazio com substâncias tóxicas.
Ainda que Alan nunca vá recuperar os anos perdidos em cativeiro, e ainda que todo o ocorrido tenha deixado uma cicatriz gigantesca na sua família, agora ele já tem um apartamento próprio, amigos e projetos pessoais.
Além disso, o caso também trouxe à tona a discussão sobre as formas de escravidão moderna.