Como perdoar alguém pelo assassinato de um familiar nosso? Perdoar é um dos exercícios mais difíceis para se praticar na vida, e ninguém nega a sua importância.
Mas até que ponto somos capazes de perdoar?
Margot, aos 16 anos, e seu pai, Theodore.Em 1978, a canadense Margot von Sluytman perdeu o seu pai, Theodore, durante um assalto à loja da sua família. O homem que apertou o gatilho se chama Glen Flett, que entrou em contato com Margot anos mais tarde, pedindo perdão e demonstrando arrependimento.
Hoje em dia eles são grandes amigos.
É isso mesmo que você ouviu: amigos!
Confira a história que os dois contaram ao programa Outlook, do canal britânico da BBC News.
“Desde cedo aprendi que agir de forma violenta ou raivosa às vezes funcionava.
ADVERTISEMENT Tive meu primeiro contato com a polícia aos sete anos de idade.
Estava com meu irmão e meu primo; eram três anos mais velhos do que eu e tinham grande influência sobre mim. Eles estavam invadindo uma casa, a polícia apareceu e nos pegou. Quando eu tinha nove anos, houve outro encontro.ADVERTISEMENT ” Glen diz que, dessa vez, foi agredido fisicamente.
Dali em diante, conta, passou a ‘odiar a polícia visceralmente’. “Meus pais não viam essas coisas. Meu pai me amava e tentava esconder as coisas que eu estava fazendo da minha mãe.ADVERTISEMENT ”
Aos 19 anos, Glen foi preso pela primeira vez.
“Fui pego roubando de uma loja e, quando o segurança me pegou, puxei um canivete suíço e o esfaqueei. Foi a primeira vez que fui preso. Eu tinha 19 anos.”
Aos 22 anos, ele se casou, arrumou um trabalho e acabou entrando nos trilhos. Em pouco tempo, sua esposa deu a luz a um casal de gêmeos. Glen, no entanto, voltou a arrumar confusão. No dia em que os gêmeos nasceram, ele foi preso por assalto à mão armada.
Mas foi em 1978 que Glen cometeria o crime que mudaria a sua vida. Em 27 de março, ele disparou um tiro contra Theodore von Sluytman, durante um assalto à sua loja.
“O dia estava lindo, lembro muito bem.
Vínhamos planejando esse assalto.Queríamos roubar um entregador.
O plano era derrubá-lo, pegar a sacola com o dinheiro e fugir. Derrubamos o cara e saímos correndo pela escada rolante, empurrando as pessoas que estavam em nosso caminho. Chegamos ao piso principal, corremos pelos corredores.Uma pessoa vinha correndo atrás de nós, gritando, ‘parem esses caras’.
Entramos em uma loja cheia de araras com roupas. Naquele primeiro momento, não vi Sluytman. Ele apareceu de repente, me segurou pelo colarinho e disse: ‘Pare.Desista, filho’.
Meu parceiro e eu… acho que nós dois, espontaneamente, atiramos nele. Eu não soube, de imediato, que havia matado o pai de Margot. Ele estava me segurando, mas quando foi alvejado, me largou. Então eu caí no chão. Levantei e saí correndo.”
Glen e seu comparsa fugiram de carro para o apartamento em que estavam morando.
Ao chegarem lá, ligaram a televisão e viram a notícia de que um homem havia morrido durante aquele assalto. Ele não sabia, contudo, o quanto aquele evento ainda iria mudar a sua vida.Glen havia matado uma metade da família de Theodore também, principalmente no que se refere à Margot.
Margot, foto atual. Todo o luto que a família teve que passar não encerraria a questão. O destino ainda faria questão que Margot e Glen se reencontrassem.Margot contou à BCC que, ouvindo o depoimento de Glen, ela sente a dor da perda do pai e a dor por Glen, pois reconhece que deve ser muito difícil para ele viver com uma culpa desse nível.
“Eu estava em casa.
Minha mãe trabalhava em casa; ela cuidava de crianças.ADVERTISEMENT Eu estava no andar de baixo, brincando de professora com as crianças.
Bateram na porta da sala de brincar. Dois homens altos. Perguntei quem eram, o que estavam fazendo ali. Disseram que eram policiais, então perguntei: ‘Meu pai teve um acidente de carro?’ Aconteceu alguma coisa?’, e eles responderam: ‘Não, ele foi morto hoje em um assalto’.ADVERTISEMENT Tínhamos uns varais no andar de baixo.
As roupas brancas do meu pai estavam penduradas no varal. Olhei para as roupas e depois corri rápido para o andar de cima. Minha mãe estava sentada no topo da escada. Ela chorava muito. Olhou para mim e disse: ‘Margot, papai.ADVERTISEMENT Morto’.
Minha vida mudou. Metade de mim morreu quando meu pai morreu. Éramos muito próximos em nossa família. E eu e meu pai éramos muito próximos. Duas semanas antes de ele morrer, tivemos uma grande discussão. Nós nunca brigávamos.ADVERTISEMENT E tínhamos acabado de fazer as pazes.
Eu tinha 16 anos. ”
Durante o luto de Margot, Glen foi preso e condenado por assassinato – anos se separam e, durante esse período na cadeia, Glen se aproximou do cristianismo.
Dentro de sua cela, ele passou a refletir sobre todas as vidas que havia prejudicado, sobre o seu comportamento destrutivo, sobre a sua irresponsabilidade como pai e marido.Ele se sentia especialmente mal por ter tirado a vida de um homem bom e de ter desperdiçado, ele mesmo, inúmeras chances, inúmeras oportunidades, e ainda estar vivo.
Por que ele ainda podia ver seus dois filhos e aquele homem decente não poderia nunca mais ver a sua família?Glen
Enquanto isso, Margot saiu de casa porque sentiu necessidade de viver o seu próprio luto, sem se intoxicar com a tristeza que tomou conta do seu lar. Enquanto Glen vivia atormentado pelo remorso, Margot passou a sentir necessidade de se encontrar frente a frente com o assassino do seu pai, e perguntar-lhe o porquê de tudo.
Quando Glen saiu da cadeia, realizou algumas pesquisas e conseguiu encontrar a sepultura do homem que matara. Ele passou a visitar o túmulo de Theodore com frequência e procurou a polícia para obter permissão de contatar a família Sluytman.
“Queria que eles soubessem que eu compreendia a santidade da vida. E que eu não entendia isso antes de tirar a vida de Sluytman. Mas agora eu chorava até cair no sono às vezes porque eu sentia muito pelo que havia feito.”
Mas Glen foi desaconselhado pela polícia, pois os oficiais que o atenderam pensaram que a reaproximação só traria mais dor para os familiares de Theodore. Mas a vida ainda faria com que Glen e Margot se cruzassem.
Anos mais tarde, Glen, através dos dados da sua esposa, realizou uma doação via internet ao trabalho de Margot, que havia cursado universidade e se formado como poeta. Poucas horas depois, a esposa de Glen recebeu um e-mail de Margot.
“Você é casada com o Glen Flett, o homem que matou meu pai na segunda-feira de Páscoa, dia 27 de março de 1978?”, dizia a mensagem.
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Glen conta que ficou apavorado – simplesmente não sabia o que pensar. Mas esse foi o início de um diálogo catártico entre a filha órfã e o assassino do seu pai.
Em resposta ao e-mail de Margot, a esposa de Glen escreveu: “Vimos o seu trabalho, mas não queríamos fazer mal a você”. Margot respondeu em seguida: “Não me fizeram mal. Vou mandar alguns livros para vocês. Mas… você se importaria em pedir ao seu marido que me faça um pedido de desculpas?”.
“Na manhã seguinte, encontrei uma carta curta, respeitosa e simples me pedindo desculpas.
A partir daí, começamos a conversar. O que eu queria saber era: por quê? E também quais tinham sido as últimas palavras do meu pai. Trocávamos e-mails, eu tinha milhões de perguntas.ADVERTISEMENT Ele respondeu todas.
No final, ele disse que precisava me encontrar. Voei para British Columbia, onde Glen vive. E nos encontramos. Encontrar Glen me ajudou de uma maneira profunda. Somos muito amigos. Dizemos ‘eu te amo’ um ao outro.ADVERTISEMENT Sei que para algumas pessoas é muito complicado ouvir isso.
”
Já Glen conta que, mesmo antes de conhecer Margot, sentia uma ligação forte com ela. Assim que se viram, se abraçaram e começaram a chorar. Foram muitos anos acumulando culpa, dor e remorso. Glen compartilhou suas maiores angústias e vulnerabilidades com Margot. Ela conheceu uma de suas filhas, visitou a sua casa. Tanto Margot quando Glen se sentiram muito melhor depois daquele encontro, que foi o primeiro de muitos. Hoje os dois se consideram grandes amigos.
Em resposta às dúvidas lançadas sobre a sua atitude, Margot rebate:
”(Aos que perguntam por quê?) respondo: Porque é a coisa certa. É a coisa certa para mim. É a coisa certa para Glen. Sinto que meu pai está sendo celebrado. Minha mãe está sendo celebrada, os pais de Glen estão sendo celebrados. Toda a dor deles não é em vão. Temos esperança. Amor. Possibilidades. E temos diálogo. Falamos sobre a perda. Sinto gratidão.”
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